Imóvel.
Ele estava encharcado, e embora o frio da noite não lhe afetasse ele já estava lá a algum tempo. Logo os vizinhos ficariam curiosos, talvez algum até chegasse a chamar a polícia. Eu precisava fazer algo, peguei minha capa e saí.
A chuva penitenciava. Enquanto os dois amaldiçoados desapareciam na neblina.
Eu fazia perguntas mas Miguel as ignorava completamente, apenas caminhava silencioso e gélido. A chuva já estava começando a cessar quando chegamos perto de um arboredo próximo a casa dele. Estava tudo deserto, a chuva fizera com que até os mendigos se recolhessem a abrigos. Repentinamente Miguel me puxou com tanta veemência que minha capa foi ao chão. Aquela situação aquele homem a minha frente que me segurava pelos pulsos com tanta força que fazia-os doer me lembrou de um sentimento que eu já estava começando a esquecer...
Medo.
"O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança. "
( Friedrich Nietzsche )
A fina chuva agora me envolvia por inteiro, minha roupa prendia-se a meu corpo por efeito da água e eu sentia frio. Não pela chuva mas pelo medo.Aqueles olhos azuis claríssimos me fitavam e eu podia ler neles uma vontade intima de me destruir. E eu... sem reação.
Normalmente estaria encantada pela beleza facinante do contraste entre o ondular daqueles cabelos despentiados pela chuva e a sua nívea e fria pele e os olhos cor de céu-do-meio-dia. No entanto eu sentia medo, medo da ira que aquele rosto transtornado expressava.
A chuva se recolhia para ouvir a conversa entre os dois demônios da noite. O vento que antes soprava forte agora silenciava e parava, para não conduzir aquelas palavras para além do ouvido do outro. A noite os escondia sob seu manto escuro -Negro - como a alma dos dois.
- Miguel? - Balbuciei numa vos quase imperceptível enquanto afastava meus cabelos do rosto e pendia-os atrás das orelhas
- Você foi para cama com ele, não foi?- Até a chuva parou, surpresa com a pergunta que mais parecia uma acusação.
- Como?!- Eu estava confusa, tuda essa cena por isso?! Só por isso?! Será que homens vivem em torno disso?
- Você não... não tinha o direito de..de - a ira fazia-o tropeçar nas palavras- de fazer uma coisa dessas Margarett.
- Do que você está falando?
- NÃO SE FAÇA DE INOCENTE!- A garrou-me pelos pulsos novamente- Isso é a última coisa que você é. Agora me responda.
- Quem te disse uma coisa dessas?- eu estava realmente assustada
- Então você foi - apertando as mãos.
- Eu não disse isso em momento algum -eu controlava a voz, não podia demostrar qualquer incerteza, ou dúvida.
- Então você não foi?- ele arqueou uma de suas sobrançelhas.
- Eu gostaria que você me solta-se - Meu punho estava doendo muito, certamente eu teria que gastar de meu sangue remover o dano. - Veja a cena que você está fazendo, contro-le sua ira e pare de despeja-la em cima de pessoas inocentes. - Ele larga o meu braço com despreso.
- Daeva, Daeva, você não passa é de uma pr* - Eu o interrompi, ele já estava começando a pegar pesado.
-Muito cuidado com as palavras, recomponha-se e diga-me claramente o motivo de essa sua revolta.
- Será que você não entende? Você é minha! Margarett, Minha!! ...
[Confesso que senti vontade de rir. A imaturidade de um ser tricentenário, capaz de abalar sua autoconfiança - diante da possibilidade - de perder para a conversa de uma criança de trinta e poucos anos é uma cena, no mínimo, curiosa.]...Não aceito o fatode você se entregar a outro igual.
[Não importa a idade que se tem 17, 33 ou 600 anos. Toda criança detesta dividir seu brinquedo preferido, e todos somos crianças da noite, além de que a morte parece só apurar cada vez mais esse egoísmo]
Já ouví falarem que "Os Daeva acreditam que podem resolver tudo na cama";
tudo, tudo não dá pra resolver mesmo... Mas devo admitir que ela facilita muitas coisas.
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